terça-feira, 23 de junho de 2009

Com o que sonham os excluídos?!

Com o que sonham os excluídos?!



A despeito de tudo de ruim que vemos e ouvimos, e que de certa forma dada à banalidade com que acontece nos torna cada vez mais insensíveis ao assunto, sábado aconteceu algo que me fez refletir. Fui ao centro da cidade. Andando por entre as ruas, me deparei com uma cena comum nas grandes cidades, mas que me deixou consternado. Crianças com seus 4, 5 anos, enroladas em cobertores imundos que mal cobriam as pernas. Dormiam no chão igualmente fétido, no desalento, e nem mesmo aos sonhos podendo recorrer no seu pesadelo cotidiano; No frio de outono em São Paulo. Detive-me por um tempo a cena que mentalmente retorna ainda hoje, e fiquei a pensar na discrepância das coisas. Falamos sempre de sonhos, futuro, de esperança, de vida. Mas com o que sonham os excluídos sociais? Como falar de esperança com quem não tem e não terá nenhuma? Qual o diálogo com o futuro que um ser nestas condições travará? Este futuro que delineamos majestosamente em nossa mente, com filhos, casamento, pujança material, prazeres luxuriosos.Este mesmo futuro renegado eternamente a bilhões de seres humanos? E me vi ali, olhando tudo e pensando neste contraste, eu, que estava atrás de uma máquina tecnologicamente potente, eu, que ainda insisto em certas vezes acreditar que o destino só para mim que não sorri. Eu, que diuturnamente lamento dores do coração, traumas do passado, eu, que tão sobejamente convicto sou das minhas capacidades intelectuais, da minha boa aparência, tão seguro em meio a tantos parâmetros estúpidos e ilusórios. Pensei... Como não enxergamos que está miséria que vemos em todos os cantos do planeta é tão mais grave, tão mais assustadora, tão mais cruel que nossos comezinhos problemas cotidianos? Como caminhamos covardemente alheios a tudo isso? Como seguimos neste egoísmo atroz, esquecendo que dor mesmo, é não ter o que comer por dias; É dormir em chão frio, é não ter pai, nem mãe, nem família, nem carinho, nem amor, nem sombras, nem migalhas de tudo isso. É não ter cuidados médicos mínimos a condição humana e morrer desassistido, desamparado e desumanamente descartável e dolorosamente sozinho. O pior, porém para mim, é tirar tudo de quem ainda não tem nada, nem compreensão de mundo; Seres pequenos que apenas somatizam a dor desde a mais tenra idade. É tirar tudo de uma criança! Tirar dela o oxigênio da vida, chamado esperança. Tirar dela os sonhos que nos movem, que do seu mundo nunca farão parte.É tirar até sua dignidade humana, como se não fossemos iguais perante as leis divinas. E o que sobra dos seres, sobretudo os diminutos e ainda e mais que nós, despreparados seres, sem dignidade, esperanças e sonhos?

O acidente aéreo recente destruiu centenas de vidas e sonhos. Será que sofreram? Não sofreram? Morreram em quantos segundos? Nos preocupamos demais. Porém, não esqueçam todos, de que a cada esquina onde desviamos o rosto a miséria humana explicitamente crua que nos apresenta, a cada situação cotidiana que evidencia nosso descaso perante o próximo, a cada vez que pronunciamos a frase: Não tenho nada a ver com isso. A cada vez que recolhemos a mão e negamos apoio, seja ele moral, espiritual ou financeiro ao semelhante, a cada vez que apequenamos nossa compaixão ao nível zero, a cada e em todos estes instantes mesquinhos de nosso ser, morrem milhões de crianças em todo o planeta, e com elas um pouco (muito!) do futuro da humanidade, e morre também um pouco do mundo que nossos filhos e netos irão habitar, e este será pior, bem pior. E elas não morrem em segundos, como nos desastres aéreos, elas morrem com as cicutas diárias, lentas e agonizantes, fornecidas por nossa suprema, vergonhosa e inconteste indiferença.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Reflexo da eternidade





Ah está tal felicidade, tão perfeitamente captada na fotografia! Lá, nós mesmos, em tempos idos ou recentes, o amor do passado ou o de agora, os entes queridos que permanecem e os que se foram, todos tão bem representados por aquele sorriso perpétuo.Naquele curto momento, conseguimos mesmo que de maneira fulgaz, aprisionar algo que já se fugia no exato momento passado. Um instantâneo só nosso de uma felicidade ilusória, um cálice embriagador de alegria estática. Ali, representado de forma tão límpida e digitalmente maximizado, aquele sorriso parece tão verdadeiro, tão sincero, tão despreocupado, como se a felicidade fosse algo que pudesse nos acompanhar a todo instante. Acho que nosso sorriso em fotografias, denúncia uma alegria que adoraríamos que reverberasse para todo o sempre e que sabemos impossível. O coração partido, o interior cheio de magoas, medos, inseguranças, tristezas, faltas, ausências sentidas e pronunciadas, mas, os alvos dentes (ou nem tanto) expostos, seja de forma espontânea, tímida ou amarela, expurgam de certa forma o que trazemos na alma. Ali está o retrato da nossa felicidade, mesmo que naquele instante, por dentro, tínhamos vontade de não fazer parte deste globo terrestre. E está sensação de um momento feliz capturado, perpassa nosso ser em todas as fotografias das pessoas que amamos, que admiramos, que bem queremos, etc. Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia... Fotografia! Nossa vingança a ação deletéria do tempo, nossa vingança a felicidade que nos venderam como eterna, mas, que é sentida em plenitude apenas em raríssimos momentos.No retrato não! Neles, somos eternamente felizes.Não perecemos, não sofremos, não choramos, nada desfaz a felicidade que o sorriso numa fotografia denuncia.